1 sonho
"Gritos e gargalhadas misturavam-se. Um grupo de
crianças tomava banho num riacho. Um dos
meninos, o mais agitado, era magro, cabelos longos,
pretos e brilhantes. Em pé, com a água na altura do
peito, começou a bater na superfície do riacho com as
mãos abertas, atirando água na direção de um menina
que, sentada numa pedra da margem, mordia uma fruta.
Ao receber a ducha, deu um pulo. Era da cor do café ralo,
pernas finas e longas, cabelo cheio comprido e liso, nariz
curto, lábios grossos e um pouco salientes.
O menino continuava dando palmadas na superfície do rio,
levantando cortinas de água:
- Toma Nia!
Só deixou de espalmar a água quando ela lhe acertou nas costas a
fruta que comia, gritando com raiva:
- Pára, Aur!"
6 sonho
- Tá bom. Pode vir - falou o homem
Finalmente, Aur conseguira convecer o pai. Pela primeira vez
iria acompanhar os homens numa caçada em direção ao norte, onde
não havia paredão.
Os seis homens avançavam, seguindo o curso do rio, velozes
e enfileirados. Aur ia no meio. Caminhavam agora mais
devagar, beirando a mata, e paravam muitas vezes,
observando atentamente o chão. A cada pegada que
encontravam, conversavam sobre o animal que o
deixara.
Ouviu-se um longo e rouco rugido, vindo da
esquerda. Fixando os olhos assustados, Aur viu uma
anta caída, com as víceras espalhadas pelo chão.
Tinha a pata traseira dilacerada.
Um Tigre-de-dente-de-sabre arrancava fatias de
carne com as garras da mão direita, que cortavam
como facas.
Lentamente e em silêncio, os homens se
afastaram de costas, inclinados para a frente, olhos
fixos no tigre. Atravessando a mata rala, onde
já estavam protegidos, Aur olhou rapidamente para
trás e pôde ver o tigre recomeçara a arrancar pedaços
de carne da anta com suas garras afiadas. Teve vontade
de segurar na mão de seu pai.
Ofegava e seu coração disparou.
Ultimo sonho
Na esplanada em frente à gruta, ardia uma grande fogueira que amarelava a noite. Os moradores estavam sentados em círculo. Ninguém falava. O minhoquinha chorava. Dentro do círculo, perto do fogo, havia duas macas, semelhantes a andores de procissão.
Dois homens levantaram-se e caminhavam devagar até as macas, onde apanhavam uma braçada de folhas. dirigiram-se até a fogueira e com elas começaram a cobrir as brasas, até que não se viu mais nenhuma. Elevou-se então uma rala coluna esbranquiçada de fumaça em direção à Lua. Quando a fumaça aumentou, todos se levantaram, esticaram os braços para o ar e começaram a gritar juntos, em triste ladainha: -Vão! Vão! Vão! Nas macas já sem folhas, podiam-se ver, como que adormecidas, duas pessoas. -Vão! Vão! Vão!
As palavras repetidas eram como um eco dolorido. E os braços de todos, agitando-se sobre as cabeças, pareciam empurrar o espírito de alguém para o alto, juntamente com a fumaça. Viram-se então, claramente, os dois corpos: eram Aur e Nia.
Duas mulheres começaram a cantar enquanto banhavam as duas crianças com água. Havia flores na água. Depois colocaram uma fita na fronte de Aur, e em Nia uma coroa de folhas.
Amanhecia. Quatro homens carregavam as macas feitas de troncos finos amarrados com cipós e dirigiram-se lentamente para a entrada da caverna. Várias tochas foram acesas na fogueira e todos penetraram até bem no fundo, lã no escuro, onde ninguém costumava ir.
O cortejo parou diante de dois buracos alongados, escavados no chão. Sobre elas deitaram primeiro Aur e depois, ao lado, Nia. Um homem cobriu os dois corpos com capim e galhos de árvores. Depois, todos se espalharam, recolhendo pequenas pedras que depositavam, cuidadosamente, cobrindo a folhagem.
O primeiro a colocar duas pedras foi o Minhoquinha. Chorava. Deixou também uma flor em cada monte de folhagem.
Nunca se descobriu o que fez com que Aur e Nia dormissem para sempre.
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